Quarta-Feira, 24 de Abril de 2024

Sustentável a beira da ferrovia

Uma combinação de materiais, com predominância da madeira e do alumínio, definiu a estética do conjunto de escritórios parisiense às margens da ferrovia. As linhas contemporâneas e a proposta de captação de energia solar fazem do conjunto um ícone a ser observado na capital francesa. Fotos: Luc Boegly

Foto: Luc Boegly

Ao contrário dos desenvolvimentos de blocos perimetrais comuns ou de jardins, o Green Office ENJOY é uma construção transparente. As equipes dos escritórios Baumschlager Eberle e SCAPE revisitaram propositalmente o design das fachadas dos tradicionais prédios parisienses e seus limites entre as esferas pública e privada. Isso traz um benefício para os usuários da construção, que ganharam um fácil caminho entre a estação de metrô local através do parque Martin Luther King para o pátio e suas vistas dos arredores locais.

Assim como a abordagem pelo parque contribui para uma experiência incomum, o layout geral desse edifício aproveita ao máximo a sua localização. As três asas, que saem do núcleo, cumprem seus papéis do espaço exterior de maneiras bem diferentes. As duas alas, que compõem a fachada suavemente inclinada na rua Mstislav Rostropovitch, seguem a linha da rua. O valor agregado produzido por esse arranjo é imediatamente visível. A extremidade estreita de uma das asas marcando o portal para o novo quarteirão, a do segundo, enfatiza a localização no canto. Tudo funciona naturalmente, sem a necessidade do uso de  técnicas complexas de construção ou de floreios arquitetônicos.

Foto: Luc Boegly

A terceira ala do edifício, junto com suas duas contrapartes, cria dois espaços exteriores. Para o noroeste, o edifício se abre em um gesto para abraçar o espaço urbano circundante e as linhas férreas. Para o sudoeste, por outro lado, inclui um pátio ajardinado. Com apenas sete andares, suas fachadas visíveis aos passageiros nos trens que passam, o bloco oferece detalhes de planejamento macroscópico e microscópico. Seja qual for a sua maneira de ver, o Green Office ENJOY oferece uma experiência arquitetônica real para os transeuntes e para os usuários do prédio, que podem desfrutar do ambiente a partir de três terraços cobertos no quinto andar. No sul, a vista estende-se para Sacré Coeur; a oeste fica a Torre Eiffel, enquanto o terraço no lado norte tem vista para o vizinho Palais de Justice.

Foto: Luc Boegly

A arquitetura

O edifício é lógico em termos arquitetônicos e de planejamento. A abordagem adotada pelos parceiros Baumschlager Eberle Architekten e SCAPE faz referência à natureza elementar do meio de construção sem a necessidade de mensagens ou imagens. No Green Office ENJOY, o escudo do edifício ocupa todo o espaço da construção. Essa superfície externa, com suas múltiplas camadas revelando profundidades internas, confere uma qualidade escultural à paisagem urbana. E, quando há uma mensagem para transmitir, é com nuances. As janelas altas e os painéis de alumínio conferem à fachada uma clara verticalidade, referência ao caráter fundamental da arquitetura: o fato de estar em pé.

Pode parecer simplista, mas a expressão estética dessa qualidade elementar impregna o edifício e, com isso, esperamos que seus usuários tenham uma grande calma e um sentimento natural em um mundo repleto de imagens urbanas e digitais. Até a cor desempenha seu papel no processo. Referido como “cappuccino”, ela evoca os antigos trilhos da estação de Batignolles e, também, em um aceno para o presente, o alimento básico de muitos trabalhadores de escritório.

Além desta afirmação fundamental, a arquitetura do projeto traz uma série de referências culturais e históricas. Ao contrário de Viena ou Berlim, a antiga e histórica Paris do Barão Haussmann é caracterizada por fortes elementos de fachada verticais e clássicos primeiros andares com pequenas varandas. Clichy-Batignolles marca um retorno a essas verticais,  com o primeiro andar projetando-se ligeiramente para os andares superiores no espírito da época e as varandas transformando-se em generosos terraços panorâmicos, agora quase à altura do telhado.

Foto: Luc Boegly

Design e materiais

O prédio e seu cenário são totalmente interdependentes. Essa interação é ditada pela estrutura do bloco. Se a laje de concreto que atravessa a passagem subterrânea da ferrovia era para suportar o peso de um prédio, então era necessário um projeto leve. Somando isso com a maior consciência atual da finitude dos recursos naturais, a madeira foi uma forte candidata para ser o material de construção. Com a longa experiência da Baumschlager Eberle Architekten em construções de madeira e a especialização da SCAPE em planejamento BIM, a decisão foi fácil.

Foto: Luc Boegly

Foi a decisão certa em termos de realidades econômicas atuais e da metodologia utilizada. A madeira pesa menos de um terço do concreto, que foi usado apenas no piso térreo para absorver as vibrações causadas pela passagem de trens. Além disso, o material também atua como um armazém natural de carbono, já que os 2.700 m³ de madeira escandinava e austríaca da Green Office ENJOY abrigam 520 toneladas de CO2. Graças ao design predominantemente de madeira, o processo de construção usou 2.900 toneladas a menos de CO2 do que uma construção de concreto convencional (o equivalente a plantar 1.500 árvores). Além disso, este material mais sustentável foi usado da maneira mais simples possível: uma estrutura clássica de chapas laminadas de pinus. “E escolha pela madeira como material preponderante na estrutura não se deu apenas pelo aspecto renovável do material. Ocorre que a localização próxima à ferrovia exigia um sistema construtivo o mais leve possível”, explicam os arquitetos. 

O piso é feito de pinus laminado e está equipado com isolamento acústico de impacto. As fachadas são construídas a partir de uma estrutura de madeira maciça, tábua de OSB e lã mineral, com acabamento de caixilhos de alumínio.

Foto: Luc Boegly

No entanto, a madeira, material genuinamente renovável, tem muito mais a oferecer. Por um lado, fornece atmosfera (em termos de acabamento). Visível por todos os escritórios, traz a natureza para dentro do prédio. O foyer, por exemplo, também é revestido de madeira. Tanto o material quanto a linha de visão da rua anunciam a área ajardinada do pátio, com a rota de aproximação passando pelo prédio. “Muito mais do que uma mera solução técnica, a madeira traz ainda ao projeto uma sensação de contato com a natureza que convida os visitantes a desfrutar desta atmosfera especial”, concluem os arquitetos. 

Projeto sustentável

Sustentabilidade é o tema central no processo criativo usado tanto pelo Baumschlager Eberle Architekten quanto pelo SCAPE. As grandes superfícies de telhado do Green Office ENJOY desempenham um papel essencial: seus sistemas fotovoltaicos transformam a energia livre fornecida pelo sol em energia elétrica. Cerca de 1.700m² de painéis solares geram 22 kWh/(m²a) de energia que, compensada com o baixo consumo do edifício de 19 kWh/(m²a), cria um excedente de 23% de energia livre de poluição. Assim, este é o único edifício nesta área de desenvolvimento de Paris que atende aos padrões de energia positiva até o momento. “Esta capacidade de gerar mais do que consumir faz parte do conceito de design sustentável que noteia a atuação de nossas equipes. Para nós, sustentabilidade significa unir conceitos técnicos, arquitetônicos e, acima de tudo, humanos no projeto como um todo” defendem os arquitetos. 

O edifício utiliza os recursos com moderação, mesmo sem esta produção de energia ativa, graças aos tetos de aquecimento e arrefecimento no interior do edifício, à sua ligação à rede de aquecimento urbano de Paris e à longevidade programada da própria arquitetura. Apesar da iluminação natural incidente, as janelas representam apenas 37% da estrutura compacta do edifício, demonstrando que não há contradição entre economia e ecologia.

Foto: Luc Boegly

Dados da obra

Local: ZAC des Batignolles, Paris 17 arrondissement, France
Área construída: 17,400m2
City Planner: Paris Batignolles Aménagement
Início da obra: 2013
Inauguração: 2018
Cliente: Bouygues Immobilier (desenvolvedor e co-investidor) e Caisse des dépôts et consignations (Bank for Official Deposits) (investidor)
Arquiteto responsável: Baumschlager Eberle Architekten Paris
Arquiteto associado: SCAPE

Fornecedores

Estrutura: SCYNA 4
Fachada: ARCORA
Estrutura de madeira: AIA Ingénierie
Serviços de utilidade: BARBANEL
HQE: ENERGELIO
Paisagismo: LATZ + PARTNER and Techni’Cité
Designer de cozinha: SYSTAL
Acústica: LAMOUREUX
Gerente bim: J.P. Trehen – EGIS 

Construção

Estrutura de madeira: MATHIS
Sistema estrutural: LES MAÇONS PARISIENS
Fachada: ARBONIS
Paisagismo: Voisins
Execução: ENGIE INEO & ENGIE AXIMAa

Matéria publicada originalmente na revista aU.

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