Quinta-Feira, 25 de Abril de 2024

Musée de la Romanité, a joia da arquiteta Elizabeth de Portzamparc em Nimes, na França.

Projeto da brasileira Elizabeth de Portzamparc abriga acervo arqueológico de 25.000 peças. A museografia interativa possibilita ao visitante vivenciar um percurso de 25 séculos de história. Fotos: Nicolas Borel / Divulgação.

Fachada do museu em contraste com a arquitetura romana original.

O Musée de la Romanité, em Nimes, na França, foi projetado pela arquiteta e urbanista brasileira Elizabeth de Portzamparc, vencedora, em 2012, do concurso internacional promovido pela prefeitura da cidade. Com área de 9.100 m², o museu abriga desde junho de 2018 raras coleções arqueológicas, até então guardadas em diferentes reservas técnicas da cidade, localizada no sul da França, que foi colônia romana há mais de 2.000 anos. Agora, o público poderá apreciar esses tesouros que cobrem um arco de 25 séculos em três grandes períodos: gaulês (pré-romano), romano e medieval. 

Elizabeth de Portzamparc, radicada na França desde 1969, desenvolveu também a museografia, que permite uma fascinante viagem pelo tempo
a partir de aproximadamente 5.000 peças, distribuídas em um percurso cronológico e temático que abrange desde o século 7 a.C até a Idade Média. As coleções ricas e variadas compreendem 1.000 inscrições latinas, 200 fragmentos arquitetônicos, 65 mosaicos, 300 elementos esculpidos (baixos-relevos e esculturas tridimensionais), 800 objetos de vidro, 450 lanternas a óleo, 389 objetos manufaturados (de osso e marfim), centenas de cerâmicas, objetos de bronze, 12.500 moedas antigas e medievais, e 15 painéis de pinturas murais romanas restauradas. 

Tecnologia

Uma série de suportes de reconstituição digital acompanha os visitantes ao longo do percurso, ajudando-os a imaginar o aspecto original dos edifícios antigos, e a vida cotidiana dos habitantes. Caixas brancas luminosas, chamadas “caixas do saber”, abrem as três seções cronológicas do percurso. Esse método criado por Elizabeth de Portzamparc serve de introdução às diferentes sequências: mapas, linhas do tempo e telas mostram e contextualizam o período apresentado. Diversos dispositivos multimídia
são distribuídos ao longo do trajeto: visitas virtuais, animações gráficas (desenhos animados e motion design) e mapas permitem uma melhor
apreensão do contexto das coleções. Os dispositivos de realidade aumentada, os panorâmicos interativos em 180° e a parede interativa de imagens são feitos para projetar os visitantes no passado e fazê-los descobrir a vida dos homens da Antiguidade, a evolução de suas habilidades e as obras-primas que eles produziram. Crianças e adultos vão ainda se maravilhar com a casa gaulesa, pré-romana, construída de pedra
e madeira. Distribuídos no chão, estarão peças e utensílios verdadeiros, que remontam a séculos antes de Cristo.

A arquitetura interior e os elementos da mobília também têm a assinatura de Elizabeth de Portzamparc, resultando em um projeto de grande coerência.

A implantação

Em Nimes estão famosas construções romanas, do período de Augusto, no século 1 de nossa era. O Musée de la Romanité está construído no centro histórico da cidade, em frente das Arenas Romanas, um pequeno Coliseu, onde são realizadas touradas, nos dias de hoje. Para criar um diálogo com essa forte presença romana, Elizabeth de Portzamparc projetou para o museu belas fachadas, compostas por uma estrutura de aproximadamente 7.000 lâminas de vidro serigrafadas, que cobrem uma superfície de 2.500 m², e são capazes de refletir o entorno, criando um diálogo com a cidade ao reproduzir as cores, a luz e a vida ao redor. Por causa de seus ângulos, inclinações e relevos, dão ideia de movimento, de acordo com a variação da luz ao longo do dia e das estações do ano.  As fachadas conjugam a transparência moderna e a tradição de uma arte romana de grande importância: o mosaico, evocando graciosamente esses elementos fundamentais das coleções do museu.

O jardim

O terraço não estava previsto no programa do concurso, mas foi criado por Elizabeth de Portzamparc como ponto culminante do percurso ascendente do museu. Ele finaliza a visita proporcionando um mirante sobre a cidade de Nimes e seus mais de 20 séculos de história, com as Arenas em primeiro plano, e ao longe a Torre Magna, que data da fundação da cidade. No terraço, com colunas e um caminho sinuoso por entre o jardim, há uma sutil homenagem da arquiteta às suas raízes brasileiras e à obra de Oscar Niemeyer (1907-2012).

O Musée de la Romanité tem características que são marcantes na trajetória de Elizabeth de Portzamparc, presente em outros projetos como o GED – Grand Equipement Documentaire (Grande Biblioteca) do Campus Condorcet, em Aubervilliers, e a estação de Le Bourget, na Grande Paris. Suas construções são abertas para a cidade e para seus habitantes, um espaço público acessível a todos e um ponto de encontro. Os locais são pensados como espaços “vitais”, dos quais o público se apropria com facilidade: uma arquitetura concebida como suporte para a animação local e qualidade de vida para aqueles que a frequentam. Uma rua pública atravessa o museu e conecta a praça frontal com uma interna, elevada, onde estão vestígios da muralha romana, dentre outros descobertos durante as escavações. Assim, Elizabeth de Portzamparc, criou um jardim arqueológico, pensado como um “museu vegetal”. Todos os traços da história foram preservados e restaurados, e serão acessíveis gratuitamente a todos os visitantes e transeuntes. Esse espaço vegetal público de 3.500 m² foi projetado pelo arquiteto paisagista Régis Guignard, e se estrutura em três camadas de vegetação, que correspondem aos mesmos três grandes períodos da museografia – gaulês, romano e medieval –, enriquecendo o conteúdo científico e conferindo uma grande coerência e harmonia. Para cada nível, árvores, arbustos e plantas vivazes foram escolhidos em razão de sua época de introdução, de acordo com as trocas, as influências e as ocupações. 

Implantação do conjunto.

O concurso

Em junho de 2011, o júri do concurso aprovou três dossiês entre as 103 candidaturas recebidas, antes de declarar vencedor, um ano depois, o projeto da agência 2Portzamparc, desenhado por Elizabeth de Portzamparc. “Eu analisei profundamente as Arenas e me questionei sobre a própria noção de edifício contemporâneo e sobre como glorificar os 25 séculos de história da arquitetura que separam esses dois prédios. Uma arquitetura leve, possibilitada pela tecnologia atual, pareceu-me algo evidente, bem como o fato de expressar as diferenças entre essas duas arquiteturas por meio de um diálogo baseado em sua sinergia: de um lado um volume circular, rodeado pelos arcos verticais romanos de pedra e bem ancorado ao solo; do outro, um grande volume quadrado, em levitação e recoberto de uma toga de vidro plissada”, explica a arquiteta.

O museu terá ainda uma livraria, um auditório, um café e o restaurante La Table du 2, com sua vista magnífica para as Arenas, com cardápio assinado pelo chef Franck Putelat, duas estrelas no Guia Michelin com seu restaurante Le Parc, em Carcassonne. 

Conteúdo publicado originalmente pela revista aU.

Corte transversal.
Corte Longitudinal.
Planta.

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