Quarta-Feira, 24 de Abril de 2024

Juntos na plantação de ideias

Num bate-papo descontraído, a dupla de arquitetos fala sobre cidade, smart city, mobilidade, escalas de projeto e o mais importante: acreditar no poder de transformação por meio da profissão. 

Retrato Luciana Pitombo e Felipe Stracci

Quem vê o portfólio do Plantar Ideias não imagina que o escritório conduzido pelos jovens Felipe Stracci e Luciana Pitombo tem apenas três anos de mercado. “Nós nascemos na crise”, brinca Felipe. O Plantar Ideias se destaca na produção de projetos multidisciplinares sempre voltados às áreas externas, sejam elas jardins, condomínios, parques e até cidades. A essência da marca consiste em oferecer maior qualidade e criatividade para as áreas externas por meio de projetos de paisagismo e luminotécnicos em áreas verdes e interiores. Com o olhar urbano e a veia de design, os profissionais desenvolvem linhas de mobiliário de paisagem que se fundem com o olhar da metrópole. Em tão pouco tempo, já marcam presença em locais como o Parque do Ibirapuera, que conta com a peça Concretum. No portfólio do Plantar Ideias, o destaque vai para a produção de peças que já foram reconhecidas como tendências ou finalistas em prêmios de relevância nacional. Luciana e Felipe são casados e participaram ainda da SP-Arte e da CASACOR São Paulo. Confira a entrevista exclusiva a seguir.

Como começou a parceria de vocês?

F: Bom, a gente é casado e o nosso início é um pouco mais pragmático do que você pode imaginar. Eu trabalhei minha vida inteira com paisagismo, trabalhava num escritório de paisagismo na época e a Luciana trabalhava em outro escritório de arquitetura, só que o escritório era estrangeiro. No final de 2015 a Luciana não estava muito contente no lugar que ela estava trabalhando e eu estava já há sete anos trabalhando no escritório, mas o cenário econômico da época era bem crítico, estava começando todo o processo do impeachment e a economia ia de mal a pior. De qualquer maneira eu estava no meu trabalho, só que depois desse período de final de ano de 2015 pra 2016 eu convenci a Luciana a largar o emprego. Ela ficou super feliz que ela largou, isso foi em janeiro de 2016. Uma semana depois eu fui demitido (risos). Aí ficamos dois jovens arquitetos casados sem trabalho, literalmente. Buscar uma recolocação naquele momento foi nosso instinto inicial e em paralelo a isso estávamos buscando uma oportunidade de ganhar dinheiro e tentar se estruturar minimamente. 

L: Estamos juntos há mais de 10 anos. Somos bastante complementares, mas somos muito diferentes. Em 2013, a gente participou do prêmio do Museu da Casa Brasileira com uma peça que a gente desenhou em concreto. Na época, pensamos: “por que não resgatar essa questão do design de mobiliário, que é uma coisa que todos gostam?”. Eu sempre trabalhei muito mais com a área de urbanismo, o Felipe com paisagismo, que são áreas complementares também. A gente viu no mobiliário externo um caminho que a gente gostaria de seguir. Mais do que isso, começamos a ver que o caminho a ser seguido era o caminho da área externa. Então começamos a entender que tínhamos capacidade de trabalhar tanto na escala da casa do passarinho, como na revitalização da praça, até entender o funcionamento da cidade e fazer esses percursos da área externa mesmo. Daí, em 2016 mesmo, a gente participou, se lançou né, na MADE (Feira Mercado de Arte e Design). 

O que vocês buscam expressar por meio da arquitetura e do design?

F: É muito interessante isso. Por um lado, temos uma visão muito pragmática. A gente já entendeu que parte da nossa inspiração são o conflito e os problemas dos espaços. Então pode ser desde o espaço de um jardim residencial ao de uma cidade, como uma praça ou um parque. No fundo, o que a gente busca é realmente trazer qualidade para esses espaços. Qualidade ambiental, econômica, estética, de infraestrutura… Nesse aspecto somos bem pragmáticos. E a gente usa como referência os elementos da natureza. Tanto a questão da fauna quanto da flora, por exemplo. Isso está tanto na questão do paisagismo quanto no mobiliário.

Qual foi o projeto mais desafiador de vocês?

F: O projeto mais desafiador é sempre o que está na frente. Ou seja, o nosso próximo projeto. Zona de conforto é o desconforto. Por isso, estamos sempre então em busca de outras coisas. Parece brincadeira, mas é impressionante como o mercado já identifica em nós esse perfil de topar desafios e às vezes estão nos buscando justamente por não achar quem possa viabilizar o projeto.

L: Também tem uma questão que é muito curiosa. Quando você começa a desenhar mobiliário, você tem que entender as questões de produção. Na fábrica, obviamente que você pode errar, mas se você erra uma vez é uma sequência, porque a fábrica faz tudo em série. Isso fez com que a gente cada vez, para todas as escalas de projeto, tivesse mais um cuidado em estudar a estrutura muito antes de propor a versão final do projeto. A gente tem o cuidado do aprofundamento. Por isso o projeto desafiador sempre é o próximo, porque a gente sempre estuda muito.

F: Tem um grande projeto nosso atual que estamos fazendo, para o Governo Federal, que é o estudo do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. É o Corcovado, com mirante Dona Marta, o Parque Laje e todo o núcleo floresta que fica no Alto Boa Vista. Estamos falando de um dos maiores parques urbanos do mundo, um dos mais visitados do mundo, e entender todas essas prerrogativas, relações que esse núcleos têm – porque o parque é todo dividido em núcleos – dar uma sinergia, entender o equilíbrio econômico, operacional, jurídico, social, ambiental, é um grande desafio. E é uma escala realmente grande. A gente tenta polir bastante, calibrar bastante porque a gente pensa em todos esses aspectos.

Como vocês avaliam hoje o mercado da arquitetura brasileira?

F: Olha, acho que o mercado… eu não sei se ele ficou mais desafiador depois da crise, porque por um lado isso diminuiu as oportunidades que estavam mais amplas, porém neste momento nós estamos com outra oportunidade, mesmo nesses conflitos existentes. Conflito econômico e a necessidade de solucionar de maneiras distintas também devem entendidos como oportunidades.

L: O fato de ter, vamos dizer assim, menos projetos em andamento, faz com que nós busquemos melhores soluções também. A preocupação da solução torna-se um diferencial. Então você ser mais resiliente, criativo, flexível, colaborativo… são todos atributos que cada vez mais no mercado da arquitetura são vistos com bons olhos.

De que forma a arquitetura voltada para áreas externas pode contribuir para uma cidade melhor?

L: A cidade, a área externa por si, é um convite à convivência. Acho que a grande diferença de quem trabalha com interiores para quem trabalha com exteriores é essa relação entre o íntimo e o coletivo. Então, o fato de trabalharmos com essa esfera faz com que sempre pensemos no coletivo. E o fato de estarmos sempre pensando no coletivo leva ao fato de pensarmos como trazer boas soluções para as pessoas se relacionarem entre si, com a natureza, com a cidade. O poder do projeto da área externa é justamente termos essa capacidade coletiva no trabalho. O espaço é sempre com o outro, nunca sozinho. A gente até brinca que quem trabalha com área externa são geralmente pessoas que querem estar juntas, muito agregadoras, porque isso é da natureza , ela é agregadora. A natureza mais brasileira, tropical, tem uma diversidade muito grande e isso reflete na nossa sociedade. Então não adianta a gente ter pinheirinhos certinhos, sem essa pluralidade. Eu acho que o espaço urbano é efervescente. O espaço público é um laboratório, uma oportunidade de mudar a sociedade positivamente e aprender quem somos nós nessa sociedade. O resultado? Descobrimos como podemos ser melhores. 

Vocês são arquitetos e designers, então atuam tanto na escala macro quanto na escala micro. Como vocês transitam entre essas escalas?

F: Da nossa parte, o bacana é que, quando estamos desenhando o pequeno, estamos pensando no grande, ou seja, a escala de inserção do design que estamos fazendo. Quando isso vai para a fábrica, como isso vai virar grande escala, atingir o grande público, etc. Quando vamos para a grande escala, conseguimos a ideia de ser o reflexo do mobiliário (da cadeira, da planta, da palmeira) e isso é muito interessante. Então na realidade essa transição não existe. Quando estamos no pequeno, estamos pensando no pequeno e no grande. A diferença é o produto final que vamos entregar. A reflexão entre as escalas é contínua, nunca encerramos e falamos “agora vou pensar só na pequena escala. Acho que isso também é uma das maiores qualidades que temos. Independentemente da que escala em que estamos trabalhando, se é numa ponta, na outra ou no meio, sempre estamos olhando para todo o processo.

Como espaços semi-públicos podem contribuir para melhorar a interface de uma cidade?

L: Acho que muito. Inclusive, são algumas diretrizes do nossos planos-diretores. Existe uma coisa muito interessante, por exemplo, quando analisamos o centro de São Paulo: não há recuo. O térreo é um uso misto, ou seja, térreo com uso comercial. Isso faz com que a cidade, de fato, seja ativa, e quando faz isso de trazer as atividades para dentro do loft, fazemos com que a cidade comece a permear os espaços que são privados e de uso público. A cidade ganha também porque cidades muito construídas, como São Paulo, têm uma carência de espaços públicos. Então temos um número razoável de praças e parques, mas não são abundantes, há muito mais área construída do que áreas verdes ou de convivência. Então, eu acho que é um ganho para a cidade trazer atividades e convidar para que as pessoas de fato comecem a se relacionar e entender que a rua é tão espaço publico quanto e o térreo fazer parte, quase como se o térreo e a rua fossem a mesma coisa. 

F: Eu sou síndico do meu prédio. Qual são os desafios? Qualificar a rua a ponto dela literalmente se confundir com o térreo. E o outro, é  fazer com que as pessoas aceitem isso também. Não é tão simples assim essa mudança. Muitas vezes há o espaço  bem qualificado, mas as pessoas ainda não têm consciência que podem ocupá-lo. 

Como trabalhar para as pessoas incorporarem esse espaço?

L: É engraçado, mas muitas vezes as ocupações são muito espontâneas. Em 2017, fizemos uma participação na CASACOR, onde fizemos mobiliários geométricos, selados e com vegetação dentro. Quem olhava aquele ambiente falava “que coisa esquisita” (risos). Então, as vezes até a estranheza se torna um convite. Ao término da mostra, qual foi o feedback? Que foi o espaço onde as pessoas ficavam por maior tempo. Por que? Porque era o espaço que dava a oportunidade para as pessoas irem descobrindo, se apropriando. Quando a gente começa a trabalhar o espaço público com elementos que as pessoas consigam se apropriar (mobiliário urbano, vegetação, iluminação, sinalização, acessibilidade, entre outros elementos), se utilizar, se sentir pertencente ao local, aí começar a cuidar e isso vai mudando o espaço. Isso vale para tudo na área coletiva. Quando a gente consegue tocar a pessoa a ponto dela querer se relacionar como o espaço, ela passa a cuidar, se identifica, isso faz com o que o espaço se transforme naturalmente. Obviamente que ele sozinho muitas vezes não vai conseguir essa transformação. Então, de fato, precisa de nós para ir mudando o projeto, alterando. Muitas vezes os prédios privados tem a oportunidade de abrir o térreo e fazer esse convite. Eu acho que é um ganha-ganha, porque a cidade sai ganhando e o prédio sai ganhando, todo mundo se apropria daquilo. 

Foto: Julia Ribeiro

O que é o conceito de smart city e como o Plantar Ideias se identifica em relação a isso?

F: Inicialmente, meu foco maior de trabalho era iluminação. Fui fazer uma especialização, dentro da pós de iluminação, de iluminação pública. Esse assunto, hoje, é a porta de entrada da relação de smart city, ou seja, dentro da ideia de se propor soluções inteligentes e eficientes. Tanto na questão de operação, quanto na questão de recursos. Esse é o início do processo. Não adianta só ter a tecnologia porque ela por si só não vai gerar resultados. Entender as demandas do espaço físico e conseguir levá-las para a questão virtual ou digital, esse é o viés da smart city. E é exatamente nesse ponto que a gente entra. Não só desenhando espaço, desenhando a relação entre as infraestruturas, refletindo sobre as reais necessidades desses espações, mas auxiliando em todas as questões operacionais e dentro dessas reflexões de tornar a cidade mais eficiente. 

L: Um outro conceito muito interessante da smart city é que ela é quase um espelhamento da nossa cidade física no mundo virtual. Se no mundo físico a gente tem algum tipo de problemática, não basta inserir tecnologia. Aa tecnologia deve ser associada a mudanças urbanísticas ou de espaço. São coisas conectadas. E é muito distante daquela imagem de Jetsons e cidades futuristas. A smart city é uma coisa palpável, real, simples. Ela não é uma mudança de cara, não é essa coisa high tech, apesar da gente ter esse imaginário. A gente na verdade geralmente não a vê. Mas é o plano virtual ajudando o plano físico a se tornar melhor e a contribuir nas atividades das pessoas, da cidade ou nas outras estruturas, enfim. 

E a gente teve um primeiro grande contato com a questão da smart city via projeto que foi desenvolvido pela Agencia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) junto do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) onde criou-se um campo experimental, de uma área de mais de 3 hectares que tem 4 mil pessoas. Aí, começamos a fazer primeiro um diagnóstico (como as pessoas circulam, têm mobilidade, se têm ônibus, bicicleta, áreas de convivência, comércio, entre outros) de como era esse ecossistema chamado cidade e, daí, fazer uma proposição de como a tecnologia e as mudanças no espaço físico poderia ajudar e transformar o espaço em um espaço melhor. 

Algum recado para quem está começando a carreira agora?

F: Eu faço da minha lição o que eu sempre estimulo: comece a trabalhar o quanto antes e a experimentar o quanto antes. Independentemente de qual seja a área que você vai seguir. Quanto mais as pessoas puderem experimentar, melhor. E tente fazer essa experiência com profundidade. 

L: Mais importante do que ter uma vocação ou um proposito é identificar-se com o que esta fazendo. Quando acreditamos naquilo que a fazemos, envolvemos mais carinho, cuidado, atenção. Olhe para dentro de si. Isso é sempre enriquecedor.

Matéria publicada originalmente na revista aU.

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