Indústria, mercado e comercialização: a Novidário, dos sócios Luciana Sobral e José Machado, é o resultado do encontro de experiências profícuas em importantes players do setor de mobiliário no Brasil e no exterior. Por Gustavo Curcio.
Com graduação em arquitetura, especialização em design de móveis e até curso de marcenaria no currículo, Luciana Sobral acabou direcionando a carreira para o segmento de mobiliário escolar depois de participar da implantação da primeira unidade da Beacon School (hoje, referência no ensino bilingue de São Paulo) dando origem, em 2009, à marca Novidário. Enquanto isso, José Machado, formado em desenho industrial, tornou a madeira seu principal instrumento de trabalho. Após larga e importante experiência na marcenaria da família, se especializou em sustentabilidade e Design Humanitário na Design Academy Eindhoven, Holanda, e foi Head Designer da marca Oppa. Mas o destino dos dois já estava traçado e, em 2016, um simples trabalho de consultoria acabou virando sociedade 3 anos depois, na mesma Novidário, que começou a ganhar novas páginas no universo de design.
Foi desse encontro cheio de vontades, muito foco e determinação, que a Novidário foi se desenvolvendo e expandindo
para oferecer muito mais. Além da responsabilidade de desenhar mobiliário para escolas, escritórios e residências, uniu as experiências de indústria e mercado de seus sócios para fazer com que a empresa também responda pela comercialização das peças criadas ou selecionadas por Luciana e José. “Temos uma equipe multidisciplinar que combina engenheiros, arquitetos, designers e buscamos fundir as áreas de criação e venda, já que entendemos que os dois processos se retroalimentam, assim como nossas ideias, conceitos e propostas”, explica José Machado. “A Novidário almeja conectar desde empresas de varejo até clientes finais, arquitetos e especificadores com a indústria moveleira. E isso é um propósito de constante evolução, tanto
da Novidário como dos parceiros que caminham conosco”, completa.
O trabalho que a Novidário faz com as indústrias é de olhar não somente para o desenvolvimento do produto, o desenho da peça em si, mas se debruçar em todas as áreas da empresa, desde prototipagem, qualidade, comercial e logística como a própria diretoria, participando de decisões estratégicas. “Iniciamos no setor escolar, mas ele nos levou para outros destinos. A partir do momento em que você consegue ter um bom produto no mercado escolar, você consegue essa façanha nos demais segmentos também, pois o mobiliário que sobrevive aos desafios da escola, com certeza vence os demais”, comenta Luciana.
Ao longo de 10 anos, a Novidário lançou diversas coleções e entre as principais estão: Jataí, que deu início a sociedade entre Luciana e José Machado, Descobertas e Parte. Na Descobertas, com foco no ensino infantil, a madeira é a protagonista, deixando menor participação para o metal, o que confere às mesas, cadeiras, bibliotecas, entre outras peças, maior leveza e autonomia para os pequenos. A linha Jataí, que rendeu prêmios do Museu da Casa Brasileira e do Salão Design, ganha novos componentes frequentemente. Começamos pelas peças voltadas ao segmento escolar, como carteiras, assentos e mesas coletivas – as últimas a chegarem foram as soluções para escritórios e ambientes de trabalho colaborativo. Em complemento a Jataí, surgiu a linha Parte, com módulos de armários e estantes que se unem ampliando, quando necessário, a área de armazenagem de bibliotecas, armários, lockers e estantes.

O Mula Preta foi criado no Nordeste, região onde existe uma expressão artística e cultural muito forte. A cultura nordestina influencia o trabalho de vocês de alguma forma?De onde vem o nome “Novidário”? Como surgiu?
Novidário é o oposto de Antiquário. O nome surgiu quando decidimos focar o trabalho em desenho de mobiliário e desenvolvimento de produto. Queríamos um nome que remetesse a novidade. Nos perguntamos “aonde as pessoas acham novidades? “Dai veio Novidário. Trata-se de um espaço e uma equipe que busca o novo. Um olhar para a evolução de pessoas e a inovação de produtos.
Luciana é arquiteta e José em desenho industrial. Como essa diferença de formações complementa o trabalho? Quais os pontos positivos em ter essas visões diferentes?
Independentemente da formação, acreditamos que somos pessoas complementares. Desde que começamos trabalhar junto as coisas parecem que se encaixam, fazem mais sentido. O trabalho flui. Realmente temos visões diferentes, acredito que
a nossa formação influencie nisso, talvez eu, Luciana, veja mais o todo e ele o detalhe; eu, Luciana, tenho um ouvido apurado na escuta do cliente e o José tem um olhar apaixonado pela indústria. A Novidário tem o arquiteto como principal clientes. Trabalhar para um público exigente como o arquiteto nos credencia para tender em todos os outros públicos. A visão da escuta do cliente na venda a identificação das dores dos arquitetos é uma grande especialidade da Luciana. Já eu, José, venho do varejo da internet e de toda experiência de chão de fábrica. Sou mais ligado ao cliente que faz, que produz. Com isso formamos um time que acompanha o cliente do começo ao fim, e por isso entendemos que esta parceria é muito complementar.
José, a formação em design humanitário ajuda no desenvolvimento dos móveis? Como?
Acreditamos que o design é uma ferramenta para evolução de pessoas, empresas, marcas. Eu, José, desde meus primeiros trabalhos na marcenaria da minha família, até os workshops com comunidades de artesanato na África e do sertão mineiro. Toda esta experiência me trouxe conhecimento para lidar com pessoas. Na verdade, o mundo não precisa de mais cadeiras. As soluções estão todas aí e nos servem muito bem. Por que então que continuo desenhando mais cadeiras? Acreditamos que o mercado está em constante evolução. As empresas são feitas de pessoas e elas também buscam sua própria evolução. O nosso trabalho de design vai de encontro com esta demanda. De lidar com pessoas e ser um motivador para sua evolução. O Design é apenas um meio para isso.
Como é o processo criativo na concepção de ideias a para fabricar as peças?
Partimos de uma demanda de mercado, de espaço no portfólio, de uma ideia de produto. Esta ideia tem que estar muito bem definida e caracterizada. Costumamos dizer que uma boa ideia deve ser descrita em 2 frases, mais do que em um desenho. Uma
boa ideia você vende por telefone ou numa rápida conversa de elevador. O produto vem depois e é a imagem desta ideia, que quando apresentada, já está praticamente vendida. Após a ideia, vem o sketch, o desenho a mão livre. Também precisamos muito da modelagem 3D e cada um participa de um pedaço da criação, valorizamos muito o trabalho em equipe. Esta evolução da ideia é feita por pessoas, por isso acreditamos que o design é um trabalho colaborativo. São muitas pessoas envolvidas em cada projeto, em cada produto. Na modelagem 3D são testadas as proporções nas medidas corretas para ergonomia, funcionalidades e estrutura. Aí entra uma fase de refinamento, de buscar o encanto a magia, de realmente trabalhar os detalhes para que a coisa fique esteticamente bonita e atraente. Após todo este trabalho de “criação” vem a parte de detalhamento e desenvolvimento. Durante a prototipagem, surgem diversas oportunidades que alimentam o processo de ideias e tornam este ciclo quase que infinito. Chega a incomodar as vezes ter tantas ideias…

A Novidário começou no segmento escolar. Porquê? Há vantagens de se trabalhar nesse setor?
A Novidário começou no setor escolar por uma questão de destino. Fomos convidados para desenhar o mobiliário da primeira unidade da Beacon School, desde o início uma proposta de escola inovadora, que queria seus móveis baseados no conceito de “o Ambiente é também um Educador”. Depois de pesquisar o assunto podemos dizer que fomos fisgados pelo universo da educação. Dai não tem mais volta… A vantagem de ter começado a desenhar móveis para o setor escolar é a certeza de móveis resistentes. O que sobrevive a escola sobrevive a todos os outros setores. A escuta ao cliente tem que ser muito ativa. Na escola, você tem muitos clientes, as crianças, os professores, os coordenadores, os mantenedores. Cada um ‘puxa a sardinha’ para um lado. A ideia é colocada a prova por todos e precisa de muito teste para conseguir agradar a todos. A humildade e a empatia do designer são colocadas a prova. Este é o maior desafio, na verdade…
Quais são as coleções/peças mais importantes/significativas para vocês?
A linha Jataí, que é a primeira linha que desenhamos juntos, é a mais importante. Foi desenhando a cadeira Jataí, com prêmios do Salão do Móvel e do Museu da Casa Brasileira, que descobrimos como nossa parceria fluía bem… Além disso é uma linha que atende a vários ambientes, vários públicos. Ela representa o conceito de ambiente colaborativo que acredito ser o futuro das escolas e escritórios. Um produto mais significativo para mim, José, é a Cadeira UMA. Um produto que tem muita história. O ano de 2011 foi um momento muito importante da minha carreira, quando eu abracei o projeto Oppa que foi minha grande escola de indústria e de varejo. Foi a primeira cadeira da marca (dai o nome UMA) e desde então produto mais vendido da empresa. Tornou-se ícone de toda um momento do design brasileiro de se concentrar nas oportunidades da indústria moveleira para vender móvel pela internet. Ninguém acreditava que seria possível vender cadeiras pela internet e a UMA chega aos 9 anos de idade em 2020 com mais de 50mil unidades vendidas. Tenho muito orgulho deste produto.
Qual a opinião de vocês sobre os tradicionais móveis utilizados hoje nos ambientes escolares?
Não vemos problema nos móveis tradicionais. Muitos deles existem há muitos anos e continuarão existindo. Acreditamos que a maneira como são usados é que pode mudar, alguns ajustes ergonômicos e de material também sempre são bem-vindos. Devemos aproveitar os móveis existentes nas escolas e acrescentar móveis novos para trazer novas dinâmicas. O importante nos ambientes escolares é como o móvel é utilizado. O que mudou nos últimos anos foi a maneira de ensinar. O layout de sala muda totalmente no momento que o professor deixa de ser o centro e os trabalhos em grupo são valorizados. A sala de aula precisa proporcionar várias possibilidades de configurações, diferentes maneiras de sentar e se agrupar são valorizadas. Portanto, a mistura de móveis no ambiente escolar faz com que o aluno possa trocar de postura durante o dia ajudando na concentração e ergonomia. O professor pode explorar as diferentes tipologias de móveis para propor trabalhos individuais ou em grupo, situações de debates e pequenas apresentações.
De que maneira vocês incorporam questões de sustentabilidade nas diferentes etapas de desenvolvimento do projeto?
Nada mais sustentável do que um móvel que dure muitos anos e sirva para vários fins. Imagina aquela poltrona que era da sua bisavó? Tem algo mais sustentável do que isso? Hoje, temos como principal matéria-prima a madeira reflorestada e aço que é altamente reciclável. Temos muita vontade de trabalhar com alumínio, pela sua leveza. Estamos iniciando um projeto com Bioplásticos para assentos curvos e ergonômicos. Nossa principal preocupação é projetar móveis duráveis. Acreditamos este ser a melhor forma de buscar sustentabilidade em nosso trabalho.
Quais são as lições deste longo período de isolamento social para a concepção de espaços e mobiliário?
Acreditamos que a grande mudança ainda está por vir. O isolamento nos mostrou várias possibilidades, adiantou vários processos, mas acreditamos que ainda estamos só no começo. Hoje, observamos que as escolas e os escritórios serão utilizados de formais mais racionais. Serão locais aonde o encontro das pessoas é o principal foco.
Nesse momento de encontro vamos aproveitar ao máximo para trocas ricas e objetivas. Toda crise é momento de oportunidade. Nós dois e todo time Novidário ficamos muito preocupados com a falta de produtos no mercado para atender a tal “nova demanda” de mobiliário. Em um momento paramos e definimos que nada adiantaria criar produtos na euforia, já que estaríamos passando por cima nossas crenças ofertando divisórias e separadores em acrílico ou soluções do tipo. Isso é claro que vai precisar e já está sendo utilizado, mas eu acredito que já estávamos no caminho de propor novas formas de convívio no ambiente de trabalho muito antes da pandemia, isso não mudou para nós em termos de projeto. Apenas acelerou a demanda. Este final de ano vamos manter a escuta de nossos clientes, agora muito mais definidas e mais voltadas pro que vai ser mesmo da vida corporativa pós pandemia.
O que muda após a pandemia?
Sem duvida aprendemos que muitos trabalhos podem ser executados em casa, muito conteúdo pode ser aprendido individualmente. O momento da reunião, da troca, de sentir a presença do grupo vai ser o grande momento e os ambientes devem ser preparados para isso. Moveis adequados e layouts bem pensados serão o grande diferencial.
Falem sobre o conceito de flexibilidade aplicado ao desenvolvimento de móveis escolares.
Os ambientes da escola, sobretudo, o mobiliário usado, devem estar de acordo com a pedagogia da instituição e acompanhar as metodologias aplicadas. As escolas, universidades e instituições de ensino em geral estão em constante evolução, exigindo ambientes cada vez mais plurais, que acompanhem esse movimento. As principais funções do mobiliário na escola do século XXI é ser uma ferramenta que auxilie e participe do processo de aprendizado. Hoje, observamos a necessidade de trabalhos ora em grupo, com discussões em grupo, ora individual, com aulas expositivas. As aulas são diferentes umas das outras e o mobiliário precisa ser leve e de várias tipologias para que o layout seja flexível e atenda as diferentes atividades propostas.
Falem sobre o conceito de multifuncionalidade aplicado ao desenvolvimento de móveis escolares.
Se você pensar em uma escola temos quase todos os ambientes possíveis. Uma escola, uma academia (ginásio de esportes) um teatro ( auditório) um restaurante, uma praça com playground, escritórios e áreas administrativas, salão de eventos e festas e até um pronto atendimento (enfermaria). Acreditamos que nas escolas o mobiliário se torna multifuncional a partir do momento que os ambientes são multifuncionais. Mesmo porque para acolher todas as funções que uma escola precisa exercer atividades diversas dividem o mesmo ambiente. Multifuncionalidade e flexibilidade são qualidades fundamentais para o mobiliário escolar!
Matéria publicada originalmente na revista aU.