Através da arte, a designer busca ressignificar o espaço urbano e trazer vida para uma rotina massante na cidade.

Fazer arte é um processo complexo e pessoal no qual cada um escolhe uma abordagem. Amanda Favali, artista, designer e ilustradora, opta por imaginar histórias por trás de suas composições antes de executá-las. “Ao mesmo tempo em que eu tenho aquela história toda montada, ainda existe uma margem para quem a vê também inventar sua própria narrativa”, comenta. Seus trabalhos estão disponíveis em seu Instagram (@favali_), em seu Medium (@amandafavali) ou em seu portfolio. O ArqXP conversou com a artista sobre sua carreira, design e democratização do espaço público. Veja abaixo!
ArqXP: Você é designer de formação. Conte sobre o início de sua carreira e de que forma migrou para sua área atual.
Amanda Favali: Quando eu escolhi fazer design gráfico, as artes visuais já me encantavam. Sempre flertei com ilustração e criação, e sempre que dava eu ia introduzindo isso dentro dos projetos, fossem da faculdade, fossem do trabalho. Era como eu conseguia juntar as duas aéreas. O design, mesmo sendo cheio de regras, estudos e conceitos me ajudou muito nessa parte artística. Me abriu os olhos pra composições, cores e combinações. Essa migração foi acontecendo aos poucos. Saindo das editoras, fui para uma empresa de criação de estampas em alta escala, fiquei três meses fazendo freela, e acho que foi ali que vi essa oportunidade de poder transitar nas duas áreas, sabe? Design e arte. Aí comecei a explorar essa possibilidade. Hoje em dia, consigo ilustrar tanto em pequenas escalas até os murais que faço.
ArqXP: De que maneira a formação em Design Gráfico contribui para suas composições?
AF: Eu acho que a formação em design foi essencial para a parte das composições entre elementos e cores do meu trabalho. Querendo ou não, o design tende a ser um pouco mais regrado e ordeiro nessa parte. Respeitar limites, respiros, saber o que fica bom misturar ou não. Eu sinto que isso ajuda muito porque vai me dando um norte no que combinar. Outra coisa que o design me ajudou muito nessa parte artística é a buscar referências e, a partir de várias, montar um painel visual e saber extrair delas uma coisa mais única. Pra não ficar algo repetitivo ou cópia. Nessa área, a gente preza muito por isso, mais do que na própria arte. Ainda hoje lembro dos professores falando como a exclusividade em um trabalho, para conseguir destaque, é essencial.

ArqXP: Quais são suas principais inspirações?
AF: Eu gosto muito de me inspirar no movimento Art Decó, principalmente no artista Alphonse Mucha, na cultura Wicca e nos contos antigos dessas culturas mais matriarcais. Além das histórias das culturas incas, maias e astecas. Essa mística toda me inspira e me faz abrir a cabeça para imaginar deusas, entidades e mulheres.
ArqXP: Quais são os conceitos por trás de suas pinturas?
AF: Toda vez que eu vou criar uma pintura, eu gosto de montar uma história por trás dela. Normalmente, penso em cores que carregam um significado, principalmente o azul. Normalmente essas deusas que eu faço são azuis, por ser uma cor nobre, que remete aos deuses, ao puro, ao único, ao céu. Então eu vou trazendo elementos e símbolos que vão agregando valores como terceiro olho, runas antigas, mantos sagrados de novos incas e assim até ter quase um “conto” por de trás daquela imagem. O mais legal de tudo isso é que, ao mesmo tempo em que eu tenho aquela história toda montada, ainda existe uma margem para quem a vê também inventar sua própria história.

ArqXP: Como é sair da escala de um revista, com pouco mais de 30 centímetros, e produzir murais de grandes dimensões?
AF: Nossa, é muito doido! (rindo) Eu sempre flertei bastante com muralismo e grafite, então pensava em um dia produzir em escalas tão grandes, mas parecia realmente “fora de mão” enquanto eu estava ali dentro de revistas ou pequenos tamanhos. Um dia, uma amiga perguntou se eu não queria fazer uma Frida na parede do apartamento dela. E eu não pensei duas vezes. Esqueci de escalas, tamanhos e fui! Quando percebi, já tinha começado a expandir as dimensões . Aí fui me aperfeiçoando em grids, aumentando os tamanhos, sendo mais “ousada”. Mas, no fim, tudo é treino e paciência. Desenhos em pequena escala acabam sendo até mais complexos e difíceis em detalhes e combinações do que os enormes. Parece que o cuidado tem que ser maior porque todo detalhe é necessário para o pequeno. Hoje em dia, gosto muito de poder transitar entre eles.
ArqXP: O que você busca expressar através do seu trabalho?
AF: Essa pergunta é difícil (rindo) porque, ao mesmo tempo que eu sei exatamente o que quero expressar e dizer, está super aberto cheio de entrelinhas para várias interpretações. O que gosto de trazer no meu trabalho é a força da mulher. Seus mistérios, feitiços, magia. Normalmente gosto de retratar a força da ancestralidade, como se grandes deuses e deusas estivessem conosco a todo momento, nos vigiando, protegendo entre a passagem. Me encanta muita essa ideia de trazer o lúdico, o mistério, e toda a grandeza que podemos encontrar através dessas entidades e dos nossos avós, bisavós, tataravós…
ArqXP: Existe algum trabalho que te marcou mais? Qual e por que?
AF: Ah, eu tenho alguns trabalhos preferidos sim. Na verdade são dois. Um que fui com um grupo de mulheres artistas para fazer uma intervenção em uma escola em Itaquera. Antes de começarmos a pintar, fizemos uma roda de conversa com as meninas falando sobre nossa arte, símbolos, o que queríamos fazer com esse trabalho. Depois, falamos um pouco sobre ser mulher e ocupar o espaço público, ser artista e tudo mais. E então fomos pintar. Todas juntas, inclusive as alunas, demos o tom da cor de fundo das paredes e elas em um pedaço puderam criar sua própria narrativa e desenhos. Foi demais! O trabalho nosso com o delas se completou de uma maneira única.
Outro trabalho que foi muito profundo pra mim foi um mais recente em que fui pintar em um abrigo para crianças. Em menos de um dia, aquelas crianças se apegaram à ideia do desenho e a nós, que estamos pintando, de uma maneira tão bonita e intensa. Ver a arte chegar até elas, é para ficar refletindo por dias.

ArqXP: De que forma acredita que a arte pode transformar as cidades?
AF: Eu acho que a arte pode transformar a cidade de todas as maneiras – e, claro, no bom sentido. Digo porque a cidade já é uma correria insana diariamente. Todo mundo correndo de um lado pro outro, sem tempo, sem olhar pros lados. A partir do momento em que colocamos um mural nesse caos, parece que brota uma sensibilidade sei lá de onde. As pessoas param para olhar, tentar entender o que é ou então fica no subconsciente e algum momento ela vai resgatar aquilo. Arte nos dá sensibilidade, nos trás uma certa calma, um refúgio. Então, a partir do momento que abrimos as portas de uma cidade para colocar arte, é quase como abrir a janela da alma. Além de incentivar a outras pessoas que nunca imaginaram a começar a produzir arte. O espaço é público, a cidade é nossa. Foi feita para nós. Então, nada mais justo do que ocupa-las com nossa expressão mais ampla.
ArqXP: De que maneira acredita que seu trabalho pode contribuir para uma paisagem mais bonita e mais amigável?
AF: Não acho que só o meu trabalho possa ajudar a contribuir com a paisagem, mas acho que arte pode ajudar. Claro, a gente vê uma arte por aí, muitas vezes, por encomenda, ou daquela maneira meio que em produção em escala, que perde todo o sentido que a arte tem que ter. Então, esses artistas que “se vendem” para ideias que fogem da arte, vamos esquece-los por enquanto (rindo), mas falando da minha arte, acredito que ela pode contribuir para o meio, esteticamente falando, por carregar uma boa combinação de elementos e paleta de cores. Quando conseguimos harmonizar bem isso num trabalho, trás uma suavidade e ao mesmo tempo acerta em cheio. Além disso, acho que a reflexão que ela pode causar, com essa pegada mais mística e mais inconsciente, é importante. Fazer refletir, pensar, lembrar, concluir o que aqueles elementos estão interligados em suas vidas ou em algum ponto. Acredito que quando crio mundos, que mesmo parecendo imaginários ou com essas deusas ancestrais, é como se todos que a contemplam tenham uma Áurea, uma benção, uma proteção.
